Muito tamborim e pouco diploma

Foto: Sarah Dutra

 

por Camila Bahia Braga, do Coletivo Adiante

 

Muito tamborim e pouco diploma de músico – os sons do carnaval de BH têm sido abraçados por todo tipo de gente, dentista, estudante e regente.

No final de 2014, Peu Cardoso, do bloco Baianas Ozadas, e Cris Souza, regente do bloco Então, Brilha!, decidiram criar um canal no Youtube que orientasse previamente quem queria batucar no carnaval de Belo Horizonte em 2015. O “Ritmos da Rua – BH” publicou cinco vídeos, dando noções de instrumentos, ritmos, chamadas e sinais a serem utilizados por pelo menos quatro blocos da capital mineira.

Segundo Rodrigo Magalhães, regente do bloco Juventude Bronzeada, o objetivo dos vídeos era criar padrões para as baterias, uma vez que grande parte dos foliões-­batuqueiros se envolvem em mais de um bloco. Rodrigo participou do “Ritmos da Rua” motivado principalmente pela ideia de que quem se interessasse em tocar poderia ensaiar em casa, sem depender dos regentes, e as baterias ganhariam em preparo e organização.

Para Rodrigo Picolé, regente do bloco Tchanzinho Zona Norte, o potencial do canal e também da participação popular livre nas baterias dos blocos é ainda mais amplo. “Trazer o pessoal para tocar ajuda a desconstruir uma mistificação da arte como um trabalho diferenciado, como se o músico fosse um talentoso abençoado. Ajuda a mostrar que ser músico é como um trabalho qualquer”, acredita Picolé. Rodrigo Magalhães também reforça o caráter do trabalho de músico como um processo de disciplina, treinamento, prática e repetição e acredita nos ensaios abertos como uma forma de democratização do acesso à música. “Nos ensaios, o que a gente tem ali é uma oficina de musicalização pra galera, e as pessoas quererem fazer isso de graça, na praça, é incrível”, complementa.

Assim como o carnaval de BH, os blocos cresceram -­ e suas baterias acompanharam. Ensaios que pareciam pequenas reuniões de amigos se transformaram em grandes eventos, rompendo fronteiras internas da cidade. Os Rodrigos vêem o crescimento com bons olhos, como um sinal de que as pessoas estão se apropriando cada vez mais das ruas ­- que são delas. Ambos ressaltam, no entanto, a falta de apoio do poder público, que tem se omitido principalmente no fornecimento de uma estrutura mínima necessária para a realização dos ensaios abertos.

Enquanto a Belotur rebola sem dar conta do tamanho do carnaval -­ proporcional ao tamanho do povo -, os agbês dançam, os surdos se fazem ouvir e os tamborins tilintam em rituais de alegria, encontro e encanto. Organizar as baterias, no entanto, não é tarefa fácil, e para isso cada bloco tem tentado traçar sua estratégia. O Então, Brilha! divulgou, nesta semana, uma lista com os instrumentos e músicos que faltam -­ e os que sobram. A Juventude Bronzeada, no início do pré­-carnaval (mas quando ele começa? e quando ele acaba?), preparou listas de cadastro para receber informações sobre os batuqueiros e seus batuques – e agora utilizam estas listas para marcar ensaios menores, divididos por instrumento.

O canto dessa cidade é seu

O carnaval é da rua, a rua é de tod@s -­ que o som também o seja. Para Rodrigo Magalhães, tod@s são bem-­vind@s a tocar no carnaval de BH. Picolé reforça a grandeza do que é você pegar seu tamborim e engrossar o caldo na praça: “Intencionalmente ou não, o carnaval daqui está promovendo esse não-­distanciamento em relação à prática musical. A partir do momento em que a pessoa se insere ali, mesmo que só no carnaval, dissemina a ideia de que música é alguma coisa que todo mundo pode fazer”. Rodrigo Magalhães acredita que o semi-­caos das baterias que se abrem a tod@s “é o preço de colocar o bloco na rua, uma coisa própria do bloco de rua”.

Alguns blocos, no entanto, têm um processo um pouco mais rigoroso para que se faça parte da bateria. A Unidos do Samba Queixinho, por exemplo, não divulga local e horário dos seus ensaios, mas promove um oficinão de bateria duas vezes por semana, com o intuito de compartilhar conhecimento e prática dos instrumentos. O caminho para fazer parte da bateria, portanto, passa por uma preparação prévia, que visa garantir a qualidade sonora do bloco.

Com diploma ou sem diploma, com oficina ou sem oficina, as dicas dos regentes para os batuqueiros são as mesmas: ­ ouvir, entender, sentir, reproduzir. Ter contato com o instrumento não só no momento do ensaio. Tentar ser frequente aos ensaios. Praticar, repetir. Ouvir os outros instrumentos, entender o som que se produz, sentir a música que se cria, reproduzir a alegria que se espalha.