Quando o carnaval passou

por Rafael Mendonça |

Por volta dos anos 2000, quando Marcos Valério Maia me chamou para ajudá-lo na produção da então recém-criada Velha Guarda do Samba de Belo Horizonte, tive o prazer de me aprofundar em um universo que conhecia superficialmente: os antigos carnavais da cidade. E, para trazer para vocês um pouco dessa história, uma conversa com uma das testemunhas disso tudo.

Mestre Conga nasceu José Luiz Lourenço, em 2 de fevereiro de 1927. Veio de Ponte Nova para o bairro Sagrada Família aos seis anos e logo cedo começou a frequentar o mundo dos batuques e festas. “Quando tinha meus 12, 13 anos, surgiu a primeira escola de samba de Belo Horizonte, a “Pedreira Unida”, que ficava lá no coração da Pedreira”, nos conta o mestre. A escola foi fundada em 1937 pelo Popó e Chuchu – Mário Januário da Silva e José Dionísio de Oliveira.

“Nessa época eu estava com 13 anos, nem saia, acompanhava a escola com a molecada sempre atrás da bateria, dando rasteira um no outro. Ia com meus colegas da Concórdia, sete, oito colegas juntos. Nessa época eu participava de uma guarda de congo e a gente ensaiava lá na Pedreira e ficava ouvindo o samba deles comendo do outro lado. Era o sagrado e o profano lado a lado”. Mestre Conga nessa época tinha sua turma de futebol e foi com eles que se aproximou do carnaval e dos bailes em que entrava de penetra. Nesse meio tempo, houve um racha entre os maiorais da “Unidos da Pedreira” e Popó, que era pandeirista da Rádio Inconfidência e muito conceituado na cidade. Popó então, criou na Barroca, bairro onde morava, a “Escola de Samba Primeira”. O nome foi para tirar um sarro do pessoal da Pedreira.

As escolas saíram até 1940, quando a II Guerra estourou pelo mundo. “Quando veio a guerra em 1940 o movimento de rua caiu um pouco, retraiu. Mas tinha os bailes dos clubes. Não era proibido ir para a rua, mas tinha o preconceito com a turma de samba. Quando foi decretada a guerra, as escolas de samba pararam, Popó foi para São Paulo, Chuchu ficou por aí”, nos conta Conga.

Nesse tempo de baixa quem acabou subindo foram os bailes de clubes. O Iate, o Automóvel Clube e outros se deram muito bem. “Mas esses bailes eram mais da elite, nós da classe mais baixa, os assalariados, fazíamos o carnaval nesses clubes que eram conhecidos como gafieiras. Alí mesmo onde é o BH Resolve tinha um baile de um alemão que se chamava “Rádio Dançante”, uns falavam racha, outros falavam rádio”. Mestre Conga também fala da antiga Gafieira Elite, onde em sua época era o Sindicato dos Trabalhadores da Construção Civil, “era uma turma que brigava até no pensamento”. Mas o Original Clube do Barro Preto foi onde a “classe operária” se esbaldava, o “Original Choro” também era outro reduto dos bambas da época, ele ficava na Avenida Brasil lá pelos lados da Padre Rolim.

Em 1945, com o fim da guerra, a cidade voltou a brotar samba. Eram escolas, movimentos de rua. “Aí choveu um punhado de escola, escolas pequenas. A escola saia em uma ano, rachava e virava duas no ano seguinte”. Belo Horizonte chegou a ter, segundo Mestre Conga, cerca de 14 escolas de pequeno porte nessa época. “Eu saia na Escola de Samba Surpresa e no ano seguinte saí na Unidos da Floresta. Que no ano seguinte rachou e foi criada a Remodelação da Floresta, que saia ali pro lados da Aníbal Benévolo. Foi lá que fiquei um tempo bom”.

Em 1948, Conga começa a sair como passista, “nessa época a gente nem chamava de passista, chamava de batuqueiro. Aí em 1950, eu e mais uns colegas como o Kalu (Oscar Balduino), o Alírio de Paula, o Zé Alvino e outros, fundamos a Inconfidência Mineira que saiu até pouco tempo atrás”.

“Na época tinha mais um tanto de escolas, como a Unidos do Monte Castelo, uma que nasceu como bloco e virou escola que era a Unidos do Guarani. A Nova Esperança.
A Cidade Jardim veio em 1962”.

Durante a década de 60 e 70 a coisa veio em seu ritmo mineiro, devagar e sempre. As escolas da capital nunca tiveram os caixas muito robustos e foram poucas que contavam com mecenas para sobreviver. A Canto da Alvorada, com vários empresários, gerentes de banco e muita proximidade com o Galo chegou em 1980, junto com a Bem te vi. “A Canto da Alvorada foi a que saiu com mais figurantes:1200. E a Bem te vi, até quando era dirigida pelo Nassif, que inclusive morreu assassinado, era advogado dos bicheiros, saia com muita gente também”.

A coisa veio vindo até os governos de Maurício Campos, um grande entusiasta do carnaval e Sérgio Ferrara. “A coisa desandou quando o Pimenta da Veiga assumiu, sem dinheiro, ouve um racha nas associações e não saímos”. Foi só lá no começo da década de 1990 que as escolas voltaram a ganhar as ruas, quando um grupo de abnegados se reuniram para trazer as escolas com força.

E as escolas estão aí desde então, ainda tomando suas rasteiras como eram as brincadeiras de Mestre Conga na infância. Rasteiras que já mandaram elas para fora do centro e outras tentativas de diminuir sua importância. Mas elas seguem firme, sem falar nos Blocos Caricatos, essa manifestação tão característica do carnaval de BH. Vida longa para Mestre Conga e essas manifestações.