Pacote inclui bloco de rua, festa e luta

por Camila Bahia Braga, do Coletivo Adiante
Foto: Priscila Musa

Há quem tenha chegado agora e encontrado a mesa posta, em confete, purpurina e tambor – e é bom que assim seja, que a festa é para tod@s e a toda hora. Mas o carnaval de rua de Belo Horizonte como o temos hoje é fruto de outros carnavais, com bandeiras que dão à folia significados mais amplos.

Uma retomada do carnaval belorizontino data de 2009.2010, quando movimentos sociais marcantes na história recente da cidade reivindicaram o espaço público como público – na contramão dos processos de privatização e cerceamento empreendidos pela gestão do prefeito Marcio Lacerda. É quando o Movimento Fora Lacerda e a Praia da Estação se consolidam como atores cruciais nas disputas de discurso e ação política na capital mineira. (É no mínimo irônico que, agora, essa mesma prefeitura queira reivindicar para si os méritos do carnaval de rua, tentando se apropriar de uma festa que, caso dependesse dela, não existiria.)

A criação da Praia crava o direito de ser na cidade. De ser de maiô, de sunga cavada. De encontrar amigos debaixo de água, de levar caixa de isopor na mochila, de entoar músicas contra o prefeito banhados em alegria, ousadia e política.

O lúdico nunca mais abandonou as lutas belorizontinas. E é ele, ainda, que leva multidões às ruas, em atos, ocupações culturais, marchas, manifestações – e ao carnaval, enfim.

Para Rafa Barros, folião belorizontino, a festa carnavalesca fez com que várias pessoas se encontrassem e se reconhecessem dentro das pautas políticas da cidade. A presença dos blocos e músicos se fez uma constante, somando e fortalecendo as lutas. “Os movimentos em BH se atravessam o tempo inteiro, isso talvez seja uma característica muito forte e importante aqui. O carnaval significa a retomada da rua como espaço de encontro, de experimentação, de troca. Ele deu o tom da performance política na cidade; e é um tom que traz uma leveza, um frescor”, completa.

Di Souza, folião, regente e coordenador do bloco Então, Brilha!, se anima com o crescimento do carnaval de Belo Horizonte, mas alerta: “O carnaval, como todo movimento que cresce, é importante que não perca o fio da meada. É muito importante que as pessoas saibam por onde passa, de onde vem. Saber que as pessoas que lutaram por esse carnaval e que fizeram esse carnaval estão lutando por algo muito maior que a festa”.

Ocupar ruas de terra com gente de luta
Dentro desse contexto de folia e política na cidade, em 2010 o bloco Filhos de Tcha Tcha foi criado – o nome veio de um sonho da percussionista Flora Lopes e a motivação, a princípio, era preencher a agenda da segunda-feira, à época, vazia. O bloco se inspirava na Folia de Reis e desfilava pelo bairro Santa Tereza, na região leste, sendo recebido por moradores, sempre com cachaça e abraços para oferecer.

O crescimento do carnaval belorizontino, no entanto, fez com que o bloco repensasse seu percurso, que tinha o objetivo de se aproximar de áreas mais periféricas, passando por vielas e pelas partes baixas de Santê. Com a superlotação de blocos no bairro, o Filhos de Tcha Tcha foi para o Concórdia, na região nordeste da cidade, berço do samba belorizontino.

Em 2014, três ocupações urbanas da Mata do Isidoro, em Santa Luzia, região metropolitana de BH, sofriam ameaça de despejo – e, com elas, milhares de famílias e histórias. Foi então que o Filhos de Tcha Tcha decidiu desfilar na Ocupação Rosa Leão, levando dezenas de foliões até a área. “A pauta das ocupações tem pouca pegada popular, tem resistência midiática grande; existe um apelo conservador e moralista que é contra a ocupação de áreas ociosas. Nós resolvemos levar a ocupação para a festa para tentar visibilizar e sensibilizar sobre aquela luta, e também levar uma leveza, porque tava todo mundo muito apreensivo. Era uma situação delicada”, explica Rafa.

O resultado foi de trocas entre a comunidade e os visitantes; foliões encontraram uma ocupação enfeitada e organizada, pronta para recebê-los, e os moradores ganharam instrumentos e adereços, em um movimento espontâneo de compartilhamento de música, alegria e afeto. “Foi uma experiência incrível, uma oportunidade que boa parte das pessoas teve de se deslocar da região central para ir conhecer a ocupação, um deslocamento geográfico-social”, relembra.

Em 2015, o bloco volta à região do Isidoro, agora com desfile pelas ocupações Vitória e Esperança. “A gente volta para aquela região para reforçar nosso apoio e nossa luta, agora já com esperança de que esteja se consolidando um processo de negociação com o novo Governo, uma vitória daquelas pessoas”, conclui Rafa.

Gente é pra brilhar
O bloco Então, Brilha! também foi criado em 2010 e, desde então, se concentra na rua Guaicurus, no baixo centro de BH. A região é conhecida principalmente por suas casas de prostituição e, segundo o folião, regente e coordenador do bloco, Di Souza, sair lá também é um ato político: “A rua é uma rua marginalizada, 80 ou 90% das pessoas que saem no bloco não passam lá em outra época do ano. A nossa maior bandeira é que gente é para brilhar, e isso inclui, claro, as prostitutas”. Segundo Di Souza, as trabalhadoras da região são sempre informadas e convidadas para o bloco, e algumas acompanham o desfile pelo centro.

Para o folião, no entanto, o carnaval tem um papel político mais amplo, que abarca todas as diferentes bandeiras sociais levantadas: “Não é uma conscientização partidária, mas é uma conscientização político social mais ampla, de aproximar de questões que precisam ser discutidas durante todo o ano, e que talvez as pessoas não discutiriam se não fosse o carnaval”.

Chora catraca e pula cavaco
O coletivo Tarifa Zero BH também aposta no aspecto lúdico do carnaval como uma forma eficaz de se fazer ouvir. Criado a partir do Grupo de Trabalho de Mobilidade Urbana da Assembleia Popular Horizontal, em 2013, o coletivo criou, em 2014, o bloco Pula Catraca!, que desfilou na cidade no último domingo (8).

Com camisas, com marchinhas, com cores e brilho e música – o Pula Catraca! enxerga na festa carnavalesca mais possibilidades de levar a discussão da mobilidade urbana para a população. “A gente vê a oportunidade das pessoas nos questionarem ‘por quê pular catraca?’, e de reproduzirem o discurso antitarifário até sem ver, cantando uma marchinha, por exemplo”, conta o coletivo.

O Tarifa Zero BH possui também uma Frente Feminista, que determinou, junto ao grupo, que as mulheres do movimento seriam as responsáveis por responder por ele perante a imprensa. “Não é uma situação exclusiva do Tarifa Zero, mas há uma predominância masculina muito grande da voz, da fala. E foi um processo muito legal de aprendizado, os meninos aprenderam muito a respeitar, a dar espaço, a se retirar do lugar de fala. É você entender que o fato de um homem estar falando significa que uma mulher não está falando, então eles aprenderam a se calar em alguns momentos”, explica o coletivo.

Busona
Além de colorir, musicalizar, conscientizar e fazer pensar, o Tarifa Zero ainda promove a Busona: transporte gratuito e alegre durante o carnaval. “A ideia da busona é propiciar essa experiência de andar sem pagar no ato de andar, justamente porque a gente quer desnaturalizar essa questão. Você vai no hospital público e não tem que pagar na hora para ser atendido, por que o transporte, além de pagar imposto, a gente tem que pagar na hora? É pra mostrar pras pessoas que é possível o transporte gratuito”, defende o coletivo. Os ônibus irão circular no sábado, domingo e segunda-feira, abertos à toda a população, foliã ou não. Na segunda-feira, serão feitas três viagens do centro para a Ocupação Esperança, onde o bloco Filhos de Tcha Tcha irá se concentrar. Para mais informações, acesse a página do Tarifa Zero BH!

Serviço
Bloco Então, brilha!
sábado, 14.02.2015 – concentração às 7h30, saída às 9h
da rua Guaicurus, centro, em frente ao Hotel Brilhante, rumo à Praça da Estação
 
Bloco Filhos de Tcha Tcha
segunda-feira, 16.02.2015 – concentração às 12h, saída às 14h
da entrada da Ocupação Esperança (esquinas das ruas Catulo da Paixão Cearense com Raimundo Côrrea, bairro Londrina – link de localização: https://goo.gl/maps/h2u9E), rumo à Ocupação Esperança
Informações sobre ônibus, trajetos, poesia & demais orientações no evento.