Bloco do Moreré e a negação ao desejo público

por Coletivo Adiante
Texto: Leandro Lopes
Fotos: Vinicius Rezende

Eu queria escrever sobre o Bloco do Moreré. Eles se apresentaram na última quinta-feira, no Santa Efigênia, em Belo Horizonte. Mas não é possível escrever sobre alegrias, quando o espaço é público e coletivo, mas as pessoas são proibidas (e cercadas) de entrar com suas bebidas.

Eu queria escrever sobre o Bloco do Moreré. Eles fizeram um show de quase quatro horas, mas é irresponsabilidade fingir que todo mundo não era praticamente obrigado a beber uma marca específica de cerveja, quando todo mundo quer ter o direito de escolher o que vai beber.

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Eu queria falar de repertório, de sorrisos, mas é incrível como a quantidade de banheiros químicos sobravam por ali, quando faltam tantos em tantos outros lugares.

Ontem, o Bloco do Moreré se apresentou em uma ilha da fantasia carnavalesca. Efetivo policial, banheiros, lixeiras, alta qualidade sonora. O fato, de fato, era para ser daqueles de se comemorar. Mas é difícil fechar os olhos para as desigualdades estruturais impostas pela Prefeitura de Belo Horizonte, para os outros tantos festejos, sobretudo, nas regiões que não fazem parte do Centro-Sul. Nestes lugares, faltam tudo.

Talvez o Carnaval de Belo Horizonte sofra de uma má compreensão do poder público, proposital ou não, de conceito. Pela quantidade de isopores que se percebe pelas ruas, dá para entender que as pessoas gostam da ideia de carregar suas próprias bebidas. Pela quantidade de tambores, tamborins, surdos, dá para compreender que todo mundo quer fazer parte de uma bateria. As pessoas desejam tocar e não mais massagear o ego de artistas que sobem em palcos, tocam suas músicas (quase sempre para eles mesmos) e aguardam os aplausos no final. Nesse contexto, ter um palco e proibir as pessoas de carregarem suas bebidas são duas formas de agressão. É negar o desejo ecoado e perceptível de se fazer um outro tipo de carnaval.

Fiz uns testes. Saí duas vezes, comprei bebida do lado de fora do cercado que o poder público estabeleceu, tentei entrar, fui barrado. Em um desses momentos, o segurança muito educadamente brincou: ‘daqui a pouco eles vão proibir as pessoas de sair de casa’. Nosso carnaval poderá ser em frente a um aparelho de televisão. É um exagero, mas a ideia certamente agradaria muita gente.

Eu queria escrever sobre o Bloco do Moreré, mas nesse contexto, falar de alegria não faz sentido.

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