hoje ta sendo um dos dias mais emocionantes da minha vida

por Rodrigo Castriota (do facebook, generosamente cedido para o Mapa da Folia)

hoje ta sendo um dos dias mais emocionantes da minha vida. chorando a toa, ficando muito emocionado com algumas lembranças aparentemente triviais, mas que tiveram um significado forte. ontem a noite, depois da belezura que foi o mendonça, lembrando do Bruno tocando trompete em todos os blocos que eu tava, com aquele olhar num mesclado de loucura e paixão pela festa, com toda a disposição do mundo pra fazer a coisa da melhor forma possível eu desabei em lágrimas por um bom tempo…quando passou, eu lembrei do Guto e de tudo que ele mudou na minha vida e na cidade inteira (as vezes sem nem saber que mudou) e as águas rolaram de novo.

é aquela conversa que acho que ninguém mais aguenta ouvir, mas que eu não me canso de repetir: a festa tem um poder transformador muito brutal, que arrebata muito fortemente as pessoas que tem um mínimo de sensibilidade. eu sei. eu sou a prova viva disso.

quando que alguém iria imaginar que belo horizonte seria um lugar legal? quantos zilhares de amigos diziam sempre “não aguentar” mais essa cidade e essa galera e agora morrem de paixão e de orgulho de cada esquina dessa cidade, além de transbordar corações timeline afora? quando exatamente que essa chave virou? ninguém sabe dizer, mas é essa a beleza da coisa: quando você assusta, já passou, você já mudou, as pessoas ao redor de você mudaram junto e a cidade está um pouco diferente sob cada um dos olhares. quem sobe da araão reis pra afonso pena tem aquele lampejo da subida triunfal do Bloco da Praia da Estação em direção à prefeitura. pare e pense (tentando se colocar como um espectador externo à história desse carnaval): o quão surreal é ter um chapolim colorado em cima de um caminhão pipa com uma mangueira atômica molhando um tanto de gente sorrindo? de onde exatamente isso vem? é uma construção coletiva da cidade, que vai se solidificando enquanto cultura local e, como tal, não poderia ter mais legitimidade! e não é só na praia com o seu caráter explicitamente político.

vá ao Bloco da Bicicletinha e repare no que você está fazendo enquanto pedala. a infinidade de lugares que você conhece que uma parte enorme das pessoas nunca sonhou em passar! a cidade aumenta dentro da sua cabeça, assim como as possibilidades de ocupação desses espaços por parte dos cidadãos.

quem é que não foi ao Tico Tico Serra Copo e ficou im-pres-sio-na-do com aquele paredão deslumbrante no campo de futebol e se perguntou se estava mesmo em BH? quantas daquelas pessoas que estavam ali nem tinham conhecimento da existência do bairro são geraldo? e quantas das 20 mil pessoas presentes no Então Brilha nunca tinham olhado atentamente pra rua guiacurus e todo o sentimento impregnado nas pessoas e nas construções? quão psicodélico e revolucionário é colorir brutalmente de rosa e dourado uma região tida como “erma” por muitas pessoas?

e o Filhos de Tcha Tcha? esse foi o soco no peito do carnaval. o choque! quem não se sensibilizou com os acidentes de amigos e pessoas próximas e se perguntou como é o cotidiano das pessoas que moram nas ocupações esperança/vitória? o que eles fazem nesse tipo de emergência? como é o dia a dia no chão de terra, sem acesso a uma infinidade de coisas que tomamos como hiper-básicas? quem não arrepiou todos os fios de cabelo do corpo quando o sol voltou muito levemente pra aquecer os corações e entendeu em pouco tempo o que é a fé? nesses momentos é que se percebe o poder e o valor da coletividade, porque sozinhos, nenhum dos moradores das ocupações conseguiria sobreviver.

e isso pra mim é o carnaval. a coletividade pulsando muito forte, com uma infinidade de desejos eclodindo, a carne e a mente explodindo e implodindo o tempo inteiro em cada um. como me disse muito sabiamente Ana Nicácio, cada um quer viver e transbordar, vendo no carnaval seus próprios limites ou a possibilidade de ultrapassá-los.

e essa experiência é muito complexa e absurda. demora muito tempo pra gente internalizar as coisas com alguma exatidão, absorvendo racionalmente, numa lógica formal, todo esse aprendizado. em outras palavras: i) lidar diretamente com o poder publico (leia-se a Belotur, um pequeno órgão dentro da PBH que já tem uma podridão escancarada e uma falta de organização e articulação completamente surpreendentes); ii) lidar com zilhares de egos, desejos e nervos a flor da pele de vários “organizadores” de blocos, aos quais as vezes sobe a cabeça um bloco de carnaval e o pior: são seus amigos e você ama eles; iii) lidar com um ambulante que se nega a tirar o carrinho da frente da bateria enquanto milhares de pessoas empurram todos os percussionistas que estão ali tocando por puro prazer; iv) lidar com a articulação de muitas pessoas pra conseguir botar seu bloco na rua; v) confiar no caos que é a coletividade (mesmo que as vezes não dê certo, as vezes é o melhor a se fazer); vi) saber encontrar um espaço no meio do caos que você consiga se inserir; vii) encontrar os momentos certos para falar com as pessoas certas para promover 1% de melhoria no bloco em meio a milhares de bêbados alucinados; viii) lidar com você mesmo e com as suas próprias contradições enquanto se tenta compreender o olho do furacão; ix) saber reconhecer o esforço de cada um entre tantas e tantas ações e raças dadas pra quem as coisas aconteçam; x) – e mais importante – conhecer e saber guardar pessoas que comovem e movem o que há de melhor dentro de você.

foram 10, mas poderiam ser 100, 1000 ou 1.000.000 de aprendizados que temos com o carnaval, sobretudo nesse aspecto da coletividade e no tanto que é possível absorver de melhor nas pessoas, basta querer. (pausa para um momento de muita gratidão a Guto Borges, Chaya Vazquez, Nara Torres, Yuri Vellasco, Tulio Nobre, Di Souza, Peu Cardoso e Pedro Martins, sem os quais eu JAMAIS seria capaz de reger meio bloco, os quais eu absorvi movimentos e olhares que estão em cada movimento e olhar meus, nitidamente, para quem quiser ver – obviamente a contribuição dessas pessoas à minha vida vão muito além da regência de blocos de carnaval).

vale a pena se entregar a ele. vale a pena entregar cada pedacinho de energia e doar o último esforço muscular pra qualquer coisa acontecer ali dentro. vale a pena bater cabeça com forças teoricamente mais fortes que as nossas pra que a coisa aconteça do nosso jeito. vale a pena pular, mesmo com o joelho doendo, porque ali atrás, onde o bicho pega na bateria, estão os olhares atentos de quem segura as pontas do fundão pelo amor ao carnaval e a RUA, que possivelmente são os próximos regentes dos blocos do carnaval de BH 2016, se eles assim o quiserem, Mateus Jacob, Jhonatan Melo, Ciro Nogueira (e tantos outros que eu sinto não citar).

vale a pena, gente.
vale muito a pena.

a todos que enviaram mensagens super carinhosas, a minha eterna gratidão, com muita humildade e carinho. mas lembrem-se que o carnaval já tem vida própria! não depende de X pessoas. se todo mundo que eu citei aí em cima e mais um tanto de gente mega importante pra uma infinidade de blocos não estiver em BH em determinado ano, ainda assim vai ter festa, ainda assim todos esses blocos vão sair, ainda assim vai ter uma multidão esperando pra seguir essas baterias revolucionárias que embalam canções que as vezes são o suficiente pra entornar o caldo cultural em cima de quem nunca viu festa em BH, outras vezes pra ser simplesmente a trilha sonora de amores de carnaval ou de foliões que observam a cidade, as pessoas e suas epifanias.

e ontem, quando eu finalmente me recompus depois desse chororô todo, eu olhei pra minha caixa, cuja pele eu troquei logo antes do carnaval e vi ela me mandando o recado que talvez seja o mais importante de todos. e adivinhem? caí no choro de novo.