O Prefeito e os Liberticidas

por Roberto Andrés (publicado em 25.02 no facebook, generosamente cedido para o Mapa da Folia)
Foto: Sarah Dutra

O prefeito de BH, Marcio Lacerda, disse ontem que, apesar dos “liberticidas”, o carnaval na cidade não pode ser espontâneo porque afeta os direitos dos outros. A frase é curiosa, especialmente vinda de quem vem, um libertário especialista em respeitar direitos. Antes de ir a ela, convém um breve histórico.

O carnaval de BH nasce e vive graças à ação espontânea de pessoas. O poder público, quando entrou, serviu mais para atrapalhar ou desvirtuar, quando deveria ser somente suporte. Em 2009 e 2010, a prefeitura ignorou a festa que vinha sendo feita. Em 2011, decidiu combatê-la. Mandou a polícia descer o pau: pouco importa se a fantasia era de rei, pirata ou marinheiro, foliões e folionas tomaram cacetete e bomba de gás lacrimogênio.

Nos anos seguintes, a prefeitura tentou cooptar a festa e moldá-la a sua maneira (claro que sem nenhuma compreensão das suas características). Vendeu o direito de se fazer comércio nas ruas para uma marca de cerveja (pode, Arnaldo?), montou palcos aqui e acolá e esbanjou em publicidade. O que era festa do povo poderia começar a render votos. A busca indevida por protagonismo chega a ser constrangedora.

Acontece que, a despeito da PBH, o carnaval continuou a ser pautado pelo povo. Ou alguém que criou um bloco ou decidiu ficar na cidade o fez pela inebriante propaganda da prefeitura? Pelas falas sexies do prefeito ou do presidente da belotur? O ano de 2015 confirma que quem conduz a folia na cidade é a rede anárquica e deliciosa de um tanto de gente que puxa bloco, que toca, que inventa fantasia, que reinventa a cidade em seu ocupar pedestre.

Em suma, os liberticidas. Ou ao menos aqueles que o alcaide quis atingir em mais uma de suas declarações estabanadas (para lembrar, estamos tratando do mesmo sujeito que, frente a uma morte por enchente, disse que a prefeitura deveria ter sido mais “babá do cidadão”, e frente a um viaduto que caiu disse que “essas coisas acontecem”). Então as várias e várias pessoas que fazem acontecer o carnaval de BH em suas mil facetas seríamos os assassinos da liberdade alheia – afinal outro dia o prefeito reclamou por ter ficado 30 minutos no trânsito graças a um bloco.

(Claro que o prefeito não tem a menor ideia do que são 30 minutos no trânsito. Que o tempo que o irritou é a utopia de mobilidade de milhões de cidadãos que passam horas diárias em ônibus inadequados, lotados, em um sistema de transporte caro e ineficiente que essa gestão tem conseguido piorar.)

Não, sr. Prefeito, assassinar a liberdade alheia não é celebrar a cidade espontaneamente, mas proibir seu uso. É privatizar ruas. Vender terrenos públicos e dilapidar o patrimônio do município. Torrar dinheiro público em viagens de jatinho. Nomear o filho em secretaria. Contratar empreiteira do amigo para construir viaduto anacrônico que cai na cabeça de quem passa.

Assassinar a liberdade alheia é proibir que cada um faça uso da sua bebida preferida no espaço público, como aconteceu no carnaval organizado pela prefeitura. E agora essa gestão torpe tenta ampliar essa “área comercial”, o que aumentaria em muito os lucros da empresa patrocinadora. O blocódromo proposto pelo presidente da Belotur é o assassinato da liberdade de vivenciar a cidade, mas aumenta em muito a liberdade de lucro da marca de cerveja de milho transgênico, e a liberdade para bater da polícia. Com mais essa canetada, a minha, a sua, a nossa liberdade diminui, mas isso pouco importa se o objetivo do estado for servir de braço armado para a exploração capitalista em formato de monopólio sem licitação.

Que enfie a canetada no próprio reto.