Estejam na rua, o ano inteiro

por Juliana Afonso
Fotos: Vinicius Rezende e Sarah Dutra

Durante a primeira Praia da Estação desse ano vi um morador de rua andar entre as pessoas com um olhar maravilhado. Ele passou por aqueles corpos seminus, que se balançavam ao som das caixas e chocalhos, com um enorme sorriso no rosto.

— Aonde vocês estavam o ano inteiro?

Deixou escapar no momento exato em que a bateria deu uma trégua. Foi simples e certeiro. Passei o carnaval pensando nessa frase, ao olhar para a água que jorrava do caminhão pipa, para os ensaios que enchiam a praça Floriano Peixoto, para as pessoas que saíam cheias de purpurina rosa e amarela das lojas de fantasia. Estávamos todos imersos na mesma expectativa. E esse espírito era tão natural que eu duvidava das minhas próprias lembranças, aquelas que me levavam a uma Belo Horizonte tão vazia que era possível cruzar a avenida Afonso Pena sem nem olhar para o semáforo. Era assim sete anos atrás. Aonde vocês estavam sete anos atrás?

Enquanto muitos belorizontinos faziam as malas e partiam para absolutamente qualquer lugar, alguns grupos resolviam testar o potencial festivo da cidade. As sementes dessa árvore, que hoje dá frutos, confetes e serpentina, foram plantadas nessa época, com o surgimento de alguns blocos de rua que acreditavam no poder transformador da festa. A ideia era ir além da folia. Levantar debates através da música, ocupar o espaço público por meio da festa, dar voz a temas políticos a partir do ato mais popular e mais brasileiro que se tem notícia. Assim renasce o carnaval em Belo Horizonte. Carnaval de rua. Carnaval de luta.

tchatcha-2015-79

Com o tempo as baterias se expandiram, as fantasias se sofisticaram, os coletivos cresceram. Mas o caráter reivindicativo se mantém ainda hoje, manifesto nos blocos que recusaram o cadastro da Prefeitura, nos grupos que decidiram sair em bairros distantes e mostrar para tantas pessoas uma outra cidade, nos foliões que se organizaram para oferecer transporte gratuito para a população.

Deixo de lado o vazio que me faz estar em casa, e não na rua, ao som de tambores e trompetes, para refletir o que o carnaval trouxe para mim. Sinto que ele foi pluralidade, desde os grandes palcos montados até as baterias itinerantes. E dentro dessa pluralidade, trouxe a certeza de que a cidade é nossa e que nós devemos usá-la e ocupá-la da maneira que melhor nos convém.

Aonde vocês estavam o ano inteiro? pode ser trocado por outra pergunta

— Aonde vocês estarão o ano inteiro?

Estejam na rua.

IMG_0957 copy