Personagens

O abridor de alas

PICNIC_MAPA DA FOLIA, RONALDO COISA NOSSA, 20.fev.14

 

por Rafael Mendonça |

Contar um pouco da história do Ronaldo Coisa Nossa é entrar de cabeça em algumas passagens importantíssimas do carnaval de Belo Horizonte. Um lutador, sempre defendeu seus pontos de vista, saiu, ou desceu como ele tanto gosta de dizer, por várias das mais tradicionais escolas e blocos da cidade. Mineiríssimo em seu jeito, começou cedo, contou com os amigos e escreveu suas páginas na rica história do samba da cidade.

“Comecei abrindo alas em um bloco chamado Leões da Lagoinha, só desfilavam homens, ele saia na rua Itapecerica, lá por por volta de 1963. Abrir ala é o seguinte, naquele tempo os blocos tinham corda, de um lado e do outro, e a gente ia ia na frente abrindo espaço, pedindo licença.”, diz seu Ronaldo da sua primeira experiência carnavalesca como um profissional do samba.

Ele pegou uma das épocas boas da festa, “nessa época o carnaval era bem gostoso, movimentado e bem distribuído”. Mas Coisa Nossa ressalta uma característica ainda marcante por aqui. “O pré-carnaval era mais gostoso ainda, tinha muita festa, tinha a batalha do Galo, as batalhas de confete, antes do carnaval tinha a disputa do “Cidadão do Samba”, aquela coisa linda na avenida, aberta ao publico em pleno centro da cidade. Os candidatos eram escolhidos pelas escolas. Tinham uma festa na rua Goiás em frente ao Estado de Minas que era muito bacana.

E esse amor pela festa, o fez viver com algumas das pessoas, que como ele fizeram acontecer. “No começo, lá por 1964, entrei para uma escola de samba chamada Surpresa, na Lagoinha, saia na rua Formiga, abaixo do Sindicato dos Tecelões. Suas cores eram azul e amarelo. Depois saí na Inconfidência Mineira também como passista, depois como mestre sala e porta estandarte, foi uma oportunidade que o Mestre Conga me deu na escola. Ajudei na fundação da Acadêmicos das Alterosas, mais pra frente ajudei também na fundação da escola de samba Bem-te-vi, desci com a Cidade Jardim, com a Unidos do Vera Cruz do Nilson Ribeiro, lá no minério, lá no pé vermelho. Mas a Unidos do Guarani era minha escola de fé, da Lagoinha, da Pedreira Prado Lopes, IAPI. A gente ensaiava na Pedreira, mas a escola passou um tempo na Concórdia e outro na Lagoinha. Mas com a morte do Vitório de Jesus, acabou um pouco mais a graça, ele era o presidente da escola na época.”

Com sua mudança da Lagoinha para o Caiçara, seu Ronaldo criou seu bloco. Com as intenções mais nobres e a luta que é uma marca forte de sua personalidade. “A gente teve uma participação maior no carnaval, assim, com uma certa autonomia, quando formamos o nosso bloco, o “Grêmio Recreativo, Esportivo e Carnavalesco É Coisa Nossa”, que foi uma entidade filantrópica formada exatamente para reivindicar benefícios aqui para a comunidade. O Coisa Nossa era um bloco carnavalesco, era como uma mini escola de samba. Sem o compromisso de uma escola, mas organizado. Aqui na área, no Caiçara, aqui na rua Alabandina que na época se chamava rua Itaguaçu, não tinha água, não tinha luz. E através do bloco, a gente conseguiu com a prefeitura essas coisas. Com o apoio de várias pessoas como Milton Martins e outros. Primeiro que deu força para a gente descer foi o Sérgio Ferrara.”.

Mas sempre que algumas forças ocultas atuam, algumas pessoas boas tendem a se afastar, “o Coisa Nossa saiu durante três quatro anos e parou. Parou porque conseguimos o que a gente precisava aqui no bairro e foi uma fase que a gente viu muita coisa dentro do carnaval que já estava começando a deturpar e ficou desinteressante para a gente mexer, quando você começa a ver certas coisas, falta de respeito, de honestidade. Então já não era ambiente para mim não, nem para minha família, que me desculpem os demais. A intenção era essa mesmo, abrir rua, água, luz. Daqui pra cima o bairro ia bem , mas daqui para baixo… Pois a associação não conversava com a gente, e nem se mexia, eles menosprezavam essa trecho, ainda mais depois que um pessoal invadiu essa cabeça de morro, onde hoje é o shopping Del-Rey, a gente era abandonado. E sem o bloco essas melhorias teriam demorado muito. A partir do momento que parei de desfilar, nem na avenida fui mais”.

Seu Ronaldo não se sente mais com vontade de colocar o bloco na rua, alguns amigos o tentaram convencer a abrir o seu tradicional bar, mas segundo ele “quem vai vir aqui durante a festa?”. O bar que desde o começo da década de 90, anima as noites de sexta e sábado com uma roda de samba, este ano ficará fechado. Para quem não sabe ele fica na Rua Alabandina, 619 no Caiçara. Ele acompanha de longe o movimento que vem levando a festa de volta para as ruas, “ legal essa moçada de hoje, muito inteligente. A tecnologia está aí para ajudar, pessoas que sabem montar uma coordenação, muitos artistas, pessoal que desenvolvem tudo rápido . E tem mais aqueles blocos de povão, e ele é legal por que abre espaço para todo mundo que quer aderir”.

Questionado sobre qual seria sua vontade se voltasse ao asfalto, ele manda essa, “hoje eu desceria desce jeito. Com um bloco carnavalesco, como uma mini escola de samba, com mestre-sala, porta bandeira, aquela coisa toda. Com a base de escola de samba porém mini, bonito, com umas 400, 500 pessoas, meu Deus fica bonito demais!”

E a vida atual, seu Ronaldo? “Tinha uma coisa que era um sonho meu, que te mostrei há muito tempo, que eram as minhas coisas escritas. Daquilo que você viu há muitos anos atrás, triplicou. Então você imagina, o que que vou fazer aqui com centenas de poesias escritas? E o pessoal começou a me cobrar, então comecei a gravar, gravei no começo dois CDs, um é o “Signo do Samba”, que é uma homenagem da minha vinda da Lagoinha para o Caiçara, e um outro chamado “Gotas”. A Suzana e o Canela da Carabina Produções, me deram todo o apoio para gravar um dvd também”.

E a máquina que é o homem não para, “agora estou fazendo outros dois, um que se chama “Entre Aspas” e o outro que se chama “Dotes”, que é uma homenagem a todas as grávidas e ao departamento feminino belo-horizontino. A música me ajuda a levar, principalmente depois que perdi minha patroa, que completa dois anos em 13 março, e isso me abalou, e a força do pessoal me jogou para frente, tinha que aguentar a mão, ajudar minha mãe que está aqui com 92 anos”.

Seu Ronaldo é coração e sua alma generosa ensinou muita gente a encarar o samba e a vida. Vida longa ao Mestre!!!

Quando o carnaval passou

seu_conga

 

por Rafael Mendonça |

Por volta dos anos 2000, quando Marcos Valério Maia me chamou para ajudá-lo na produção da então recém-criada Velha Guarda do Samba de Belo Horizonte, tive o prazer de me aprofundar em um universo que conhecia superficialmente: os antigos carnavais da cidade. E, para trazer para vocês um pouco dessa história, uma conversa com uma das testemunhas disso tudo.

Mestre Conga nasceu José Luiz Lourenço, em 2 de fevereiro de 1927. Veio de Ponte Nova para o bairro Sagrada Família aos seis anos e logo cedo começou a frequentar o mundo dos batuques e festas. “Quando tinha meus 12, 13 anos, surgiu a primeira escola de samba de Belo Horizonte, a “Pedreira Unida”, que ficava lá no coração da Pedreira”, nos conta o mestre. A escola foi fundada em 1937 pelo Popó e Chuchu – Mário Januário da Silva e José Dionísio de Oliveira.

“Nessa época eu estava com 13 anos, nem saia, acompanhava a escola com a molecada sempre atrás da bateria, dando rasteira um no outro. Ia com meus colegas da Concórdia, sete, oito colegas juntos. Nessa época eu participava de uma guarda de congo e a gente ensaiava lá na Pedreira e ficava ouvindo o samba deles comendo do outro lado. Era o sagrado e o profano lado a lado”. Mestre Conga nessa época tinha sua turma de futebol e foi com eles que se aproximou do carnaval e dos bailes em que entrava de penetra. Nesse meio tempo, houve um racha entre os maiorais da “Unidos da Pedreira” e Popó, que era pandeirista da Rádio Inconfidência e muito conceituado na cidade. Popó então, criou na Barroca, bairro onde morava, a “Escola de Samba Primeira”. O nome foi para tirar um sarro do pessoal da Pedreira.

As escolas saíram até 1940, quando a II Guerra estourou pelo mundo. “Quando veio a guerra em 1940 o movimento de rua caiu um pouco, retraiu. Mas tinha os bailes dos clubes. Não era proibido ir para a rua, mas tinha o preconceito com a turma de samba. Quando foi decretada a guerra, as escolas de samba pararam, Popó foi para São Paulo, Chuchu ficou por aí”, nos conta Conga.

Nesse tempo de baixa quem acabou subindo foram os bailes de clubes. O Iate, o Automóvel Clube e outros se deram muito bem. “Mas esses bailes eram mais da elite, nós da classe mais baixa, os assalariados, fazíamos o carnaval nesses clubes que eram conhecidos como gafieiras. Alí mesmo onde é o BH Resolve tinha um baile de um alemão que se chamava “Rádio Dançante”, uns falavam racha, outros falavam rádio”. Mestre Conga também fala da antiga Gafieira Elite, onde em sua época era o Sindicato dos Trabalhadores da Construção Civil, “era uma turma que brigava até no pensamento”. Mas o Original Clube do Barro Preto foi onde a “classe operária” se esbaldava, o “Original Choro” também era outro reduto dos bambas da época, ele ficava na Avenida Brasil lá pelos lados da Padre Rolim.

Em 1945, com o fim da guerra, a cidade voltou a brotar samba. Eram escolas, movimentos de rua. “Aí choveu um punhado de escola, escolas pequenas. A escola saia em uma ano, rachava e virava duas no ano seguinte”. Belo Horizonte chegou a ter, segundo Mestre Conga, cerca de 14 escolas de pequeno porte nessa época. “Eu saia na Escola de Samba Surpresa e no ano seguinte saí na Unidos da Floresta. Que no ano seguinte rachou e foi criada a Remodelação da Floresta, que saia ali pro lados da Aníbal Benévolo. Foi lá que fiquei um tempo bom”.

Em 1948, Conga começa a sair como passista, “nessa época a gente nem chamava de passista, chamava de batuqueiro. Aí em 1950, eu e mais uns colegas como o Kalu (Oscar Balduino), o Alírio de Paula, o Zé Alvino e outros, fundamos a Inconfidência Mineira que saiu até pouco tempo atrás”.

“Na época tinha mais um tanto de escolas, como a Unidos do Monte Castelo, uma que nasceu como bloco e virou escola que era a Unidos do Guarani. A Nova Esperança.
A Cidade Jardim veio em 1962”.

Durante a década de 60 e 70 a coisa veio em seu ritmo mineiro, devagar e sempre. As escolas da capital nunca tiveram os caixas muito robustos e foram poucas que contavam com mecenas para sobreviver. A Canto da Alvorada, com vários empresários, gerentes de banco e muita proximidade com o Galo chegou em 1980, junto com a Bem te vi. “A Canto da Alvorada foi a que saiu com mais figurantes:1200. E a Bem te vi, até quando era dirigida pelo Nassif, que inclusive morreu assassinado, era advogado dos bicheiros, saia com muita gente também”.

A coisa veio vindo até os governos de Maurício Campos, um grande entusiasta do carnaval e Sérgio Ferrara. “A coisa desandou quando o Pimenta da Veiga assumiu, sem dinheiro, ouve um racha nas associações e não saímos”. Foi só lá no começo da década de 1990 que as escolas voltaram a ganhar as ruas, quando um grupo de abnegados se reuniram para trazer as escolas com força.

E as escolas estão aí desde então, ainda tomando suas rasteiras como eram as brincadeiras de Mestre Conga na infância. Rasteiras que já mandaram elas para fora do centro e outras tentativas de diminuir sua importância. Mas elas seguem firme, sem falar nos Blocos Caricatos, essa manifestação tão característica do carnaval de BH. Vida longa para Mestre Conga e essas manifestações.